Este blogger contém o registro dos processos de trabalho em ateliê para a execução e montagem do Projeto Ressonâncias III.

A edição brasileira do projeto é resultado da oficina ministrada por alunos do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes da Unesp - SP, sob a orientação da artista da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, Dra. Virgínia Fróis, realizado em parceria com alunos na Universidade Federal de São João Del-Rei - MG. Com a curadoria e organização das Professoras Dra. Lalada Dalglish- UNESP - SP e Dra. Zandra Coelho de Miranda - UFSJ-MG

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This blogger contains the record of work processes in the studio for the implementation and installation of the Ressonâncias III project.The Brazilian edition of the project is the result of the workshop conducted by students of the Post Graduate Institute of Arts UNESP - SP, under the guidance of the artist's Faculty of Fine Arts, University of Lisbon, Dr. Virginia Fróis, conducted in partnership with students at the Federal University of São João Del Rei - MG.

The curation and organization, were the responsibility of the teachers Dr. Lalada Dalglish - UNESP - SP and Dr. Zandra Coelho Miranda - UFSJ - MG

quinta-feira, 4 de julho de 2013

RELIGARE


Sara Antónia Matos
Agosto, 2012 

     O projecto “Ressonância II”, em exposição na UNESP, surge como corolário de um conjunto de obras que Virgínia Fróis tem vindo a desenvolver ao longo dos últimos anos e que apresentam em comum a escolha do material cerâmico e a forma anelar. Nesse conjunto, incluem-se obras como “Anel” (2009-2011), “Coroa” (2010-12) e “Urnas” (2012) que fazem eco dessa forma circular. O anel está associado à ideia de vínculo. Quem o usa compromete-se a uma determinada ligação e, paradoxalmente, encontra-se subordinado a ela, mesmo que a relação de subordinação seja livremente consentida. Assim, as obras/instalações da artista põem em jogo um binómio de forças que versam a quebra da indissociabilidade e a reconstrução. Através delas, a artista procura materializar as ideias de perda e simultaneamente de religare, voltar a unir e pôr em contacto. Ora suspensas, no caso de “Urnas” e “Coroa”, ora assumindo o seu peso contra o chão, no caso de “Anel”, as obras evocam uma relação com o «ausente» convocando o espectador a habitá-las, mas simultaneamente a evadir-se delas para um universo íntimo.

     A peça agora exibida é constituída por um conjunto de cabeças suspensas que formam um circulo à altura do olhar do espectador, permitindo uma relação directa entre este e os rostos com que se depara.Estes, como que solicitam uma interlocução ainda que a mesma se exerça sem recurso à linguagem verbal. Aquelas cabeças apresentam-se estranhamente fechadas, sem orifícios abertos na espessa massa de cerâmica. Porém, do seu interior propaga-se um murmúrio oriundo de sete vozes femininas e uma masculina, fazendo eco sobre o espectador e apelando-lhe a um processo de introspecção. Invadido pelo murmúrio vindo da obra ou pelo silêncio que lhe subjaz, o espectador converte-se numa câmara de ressonância, podendo mergulhar nas suas memórias mais longínquas e ancestrais. Por isso, estes rostos assumem-se como vasos e urnas que selam, mas onde, como de um ovo, também se renasce. Assim, através da presença escultórica suscita-se um processo de diálogo silencioso que dispensa qualquer palavra. O que faz com que haja reciprocidade de comunicação entre a obra e o espectador? O desejo e a necessidade de partilha de cada ser humano, algo que não pode ser desligado da necessidade de reconhecimento, transformação e ânsia de vida. Como é que o desejo se manifesta? Comunicando. Qual é o meio utilizado nessa comunicação? É o corpo. O corpo do ser humano está no mundo, no sentido de presença activa, definindo-se também pela relação com os outros corpos.

     Este processo envolve um contacto vital: “comunicar com outrem é entrar em contacto, misturar substâncias”, diz o filósofo José Gil. “Qualquer que seja a maneira como se pensa este comunicar, ele implica um contacto directo que é, ao mesmo tempo, conhecimento e afecto” (Gil, 1997: 148). O contacto com o outro pode efectivar-se através do olhar, da pele, dos odores e das secreções. Estas formas de comunicação ganham corpo nas obras através dos elementos e materiais a que a escultora recorre. Para além das oito cabeças e do cone de sal que por baixo delas se eleva, conjunto recortado por um projector de luz branca que irradia de cima até à base, duas outras figuras surgem na penumbra, pontuando o espaço fora do circulo: a de um golfinho em terracota branca e de um pássaro em cera virgem. Estes constituem-se como elementos dinâmicos referentes à água e ao ar, apontando para o recomeço, anunciando o nascimento e a transcendência que destes advirá. Assim, na obra de Virgínia Fróis as matérias eleitas, entre elas o barro, o sal, o chumbo e a luz assumem uma dimensão simbólica, fazendo alusão directa ao corpo e ao espirito, à condição perecível da existência humana, à sua possibilidade de transcendência e purificação. Neste âmbito, pode entender-se que os materiais escultóricos usados pela autora reforçam o sentido de presença e de condição sensível inerentes quer, à experiência estética, quer à relação com o outro.

     Em última instância, significa que produzir uma obra de arte é também comunicar com o outro, reclamar a sua generosidade, disponibilidade e recepção. Quando se pressente que não há reciprocidade do outro lado, do outro corpo “sentimo-nos incapazes de comunicar com ele – quer dizer, de abrir o nosso interior e a nossa pele ao seu interior. O nosso espaço de limiar retrai-se, recusa-se – porque não há espaço de limiar do outro lado (…).” (Gil, 1997: 159). Deste modo, não é estranho que a escultora parta para a realização deste trabalho envolvendo outros criadores no fazer artístico desde a génese, isto é, desde o seu nascer. Por via dessa colaboração, a obra vai-se alterando e conhecendo outras formulações com a partilha, a troca de ideias e contribuição dos pares. As peças foram realizadas na oficina de cerâmica da UNESP, com alunos de estudos avançados do Instituto de Artes, nas àreas das Artes Visuais/Cerâmica, Teatro e Música. Esta partilha, que aliás não é estranha ao percurso da Virginia Fróis – recorda-se que conceptual e metodologicamente, a autora tem desenvolvido diferentes formas de colaboração com grupos específicos –, proporciona uma reflexão sobre a criação individual e em grupo.
     É para o trabalho conjunto sobre a memória, o luto e as experiências sensíveis, próprias da existência humana, que remete o trabalho da artista, ao lembrar que cada indivíduo não tem existência isolada.


Referências: 
José Gil, (1997) Metamorfoses do Corpo, Relógio D`Água, Colecção Antropos, 2ª edição, Lisboa.

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